Vai Quem Qué na avenida. A festa continua.
- Zeca Sampaio

- 22 de nov. de 2021
- 3 min de leitura

Eu havia passado alguns anos sem participar dos desfiles do glorioso. Morando fora de São Paulo, não tinha acompanhado as mudanças que ocorriam no bloco.
Fiquei sabendo que agora a festa começava no Largo da Batata. E lá fui eu, só pra ver. Caí na putaria e pulei até morrer.
Eu já sabia que o Vai Quem Qué agora tinha banda, som para todos ouvirem, mas o que eu encontrei me deixou de queixo caído. Quando eu cheguei a turma estava saindo pra rua e, de longe, eu escutava as vozes possantes do Zimbher e da Lira, os belos metais da Clarinha, do Johnny, a bateria firme, ritmada. A aparelhagem de som levava a mesma música a todos, de forma que a turma da traseira podia acompanhar a marcha que estava rolando (e não podia cantar o que queria como antigamente).
Chegando perto, a farra parecia a mesma, talvez multiplicada, mas ainda aquela brincadeira de rua misturada, bicha, homem, velho, mulheres, Legebetês, cadeiras de rodas, cachorros e tudo o mais que o Carnaval inventa, ou desinventa.
Meu coração se aqueceu na mesma hora. Fazia tempo, mas eu me sentia em casa. Ou deveria dizer: em rua?
Entre marchinhas, cervejas, abraços, beijos e danças fui seguindo o movimento. Meio me sentindo recém-chegado, meio nunca saído.
Logo de cara, percebi outra coisa que não tinha mudado. O bloco parecia ter um percurso pré-estabelecido, mas como sempre alguém na dianteira decidia virar a esquerda e antes que alguma das pessoas da turma mais envolvida resolvesse ir até lá para avisar que o caminho previsto era em frente, alguém comentava “pra esquerda é sempre bom” e a mudança de itinerário já estava aprovada e ratificada. E lá ia o bloco, errante pelo bairro, na parte de baixo de Pinheiros, como fazia antigamente lá pra cima.
Eu alternava entre ajudar a manter os músicos protegidos do movimentos de brincalhões que pudessem criar choques com instrumentos e microfones, ou carregar faixas, ou ainda parar o trânsito de um lado e pular solto no meio da multidão.
Tenho que afirmar aqui: não tem coisa mais gostosa do que estar juntinho na rua, brincando, cantando, dançando e sentindo “a energia que emana de todo prazer”.
Lá pelas tantas, o bloco ia entrando na Pedroso e eu que estava quase na esquina, percebi que os carros vinham em velocidade e muitos motoristas demoravam para entender o que estava acontecendo.
De acordo com meu impulso de vaiquemqueriano, e com o desejo de todo bêbado de virar guarda de trânsito, me coloquei a frente dos carros, sinalizando para que diminuíssem a velocidade e ficassem na faixa mais distante da pista, evitando assim acidentes desagradáveis.
Logo em seguida, uma moto parou a meu lado e o PM que vinha nela me pergunta na lata.
– Você é da organização?
A pergunta me deixou desnorteado por um momento. A resposta que me veio à cabeça de cara, “eu sou da desorganização”, podia ser considerada uma provocação e gerar uma reação agressiva. Até ali, o guarda parecia estar de boa vontade. Ele viu que eu fiquei confuso e explicou que queria saber o caminho que iríamos tomar para ir na frente e desviar o trânsito.
Era um alívio, mas não resolvia meu problema, porque eu não tinha a menor ideia de para onde estávamos indo. Sabia que de alguma forma deveríamos chegar no ponto de partida, mas como isso iria acontecer era para mim um mistério.
Nesse momento, de canto de olho percebi o Gabriel passando lá do outro lado dos foliões, pela esquina. Não foi difícil indicar para o policial.
– Aquele ali, de bigode e saia rosa.
Satisfeito de talvez poder falar com alguém que não estivesse tão incapacitado, o motoqueiro saiu em busca de um jeito de cruzar o mar de pessoas entre ele e o “organizador do Vai Quem Qué”. Pareceu nem ligar para o fato que me deixava ali, sem a menor condição, a administrar a entrada do povo na avenida e o desvio necessário dos carros.
Confesso que não vi, nem fiquei sabendo o teor da conversa do oficial com o nosso orientador-mor, mas deve ter sido produtiva porque mais adiante, quando entramos na rua da Tomie Otake e fizemos uma pausa, lá estavam já algumas motos e até uma viatura que pareciam estabelecer um caminho seguro para o retorno ao Largo de Pinheiros.
Me deram o microfone para dar um descanso ao Zimbher e eu passei um tempo ocupado com o que é um dos sentimentos mais legais que eu já experimentei na vida: a alegria de cantar para o povo.
Então, quando estávamos saindo novamente, foi que decidi.
Amanhã, vou voltar.





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