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A sopa do Guga

  • Foto do escritor: Zeca Sampaio
    Zeca Sampaio
  • 22 de nov. de 2021
  • 3 min de leitura

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A história que passo a expor foi, sem dúvida nenhuma, um dos momentos mais críticos da história do VQQ. Ocasião em que nosso rei se tornou um adicto irrecuperável, um caso perdido.


Tudo se passou em alguma daquelas primeiras noites em que saíamos para as ruas sem certeza de nada. Quem viria? Viria alguém? Por onde andaríamos? Por quanto tempo? E, mais importante, onde pararíamos?


Essas questões pululavam enquanto fazíamos o esquenta de praxe, aguardando que os foliões mais interessados no barulho, digo na música, pegassem os instrumentos e começassem a função, animando os foliões com seu ritmo especialíssimo. A bateria nota X.


Começo de noite, Carnaval já avançado, os rostos já refletiam o cansaço das noites anteriores, além da digestão da feijuca. Expressavam também a alegria de estarmos juntos mais um dia, mais um ano, “mais um Carnaval... Antes de me despedir, deixo ao sambista mais novo...”


O samba de Edson Conceição e Aloísio Silva cantado pelos primeiros batuqueiros chegando aos ouvidos do monarca criaram saudades de uma velhice ainda não alcançada, mas já antevista. Os cabelos iniciando a receber a neve dos anos prenunciavam o ancião, o sábio incontornável, a voz da experiência acumulada que criaria os indispensáveis discursos sempre ansiosamente aguardados pela turba foliã.


O bloco se preparava para sair e o rei relutava, receoso reagia retoricamente e retumbantemente ao raiar da bandeira vaiquemqueriana.


Ah, se eu pudesse ficar mais um pouco nessa mesa. Tomar mais uma, comer uma porção de queijo provolone. Sua alteza refletia enquanto esvaziava a última garrafa e o bloco ainda não havia virado a esquina, estando, portanto, ainda sob sua severa vigilância.


Os deveres de mandatário finalmente falaram mais alto e nosso altaneiro duque desceu a Teodoro depressa para alcançar a bagunça. Ao chegar ao bloco pela parte de trás, reconheceu imediatamente o samba de Paulinho da Viola que estava sendo cantado. Sem diminuir a marcha foi se achegando mais pra frente. Pretendia entrar na Fradique entre os primeiros e assim conseguir um banco no balcão do Vavá.


Por um momento, ficou confuso sem conseguir entender que parte do samba estava sendo cantada, mas logo percebeu que do meio do bloco para a frente o que estava rolando era a marcha da cueca, portanto, a turma de trás, talvez cansada de não saber direito o que cantar, apenas iniciara uma dissidência e estava levando seu próprio samba enquanto a bateria e o pessoal da frente seguia nas marchinhas. Isto, aliás, não era novidade. Naqueles tempos sem pipoqueira o som era transmitido por meios mecânicos, de boca em boca, ou de boca em ouvido e muitas vezes esse telefone sem fio era interrompido pela impaciência de foliões que não queriam esperar para cantar suas músicas prediletas.


Alcançada a zona da vanguarda, o presidente procurou passar despercebido para que ninguém viesse lhe pedir discurso. Ainda era cedo para fazer brotar a verve do grande líder.

Por via das dúvidas, começava a ensaiar alguma coisa: “Mulheres da curva grande...” Ufa!

Definitivamente, era cedo. Precisava de mais algumas no Vavá. Mesmo porque, sem ter tido tempo para a porçãozinha da padoca, sentia a fome se instalando da barriga para fora e oratória vazia não para em pé.


Bons tempos em que no começo da noite a feijuca já havia sido digerida e a disposição para novos acepipes estava garantida, com direito a frituras e cervejas. Ah, os velhos tempos...


Voltando a minha história, foi nessa hora que o Pedrão, vestido de Pedrita, encontrando seu soberano foi logo dizendo:


– Pô, Guga, onde você tava? A gente precisando da sua autoridade.


– Tava mais pra trás, o que aconteceu?


– Você não viu que a polícia não queria deixar a gente passar? Ficaram bloqueando a Teodoro, dizendo que era proibido circular na contramão. Fui até obrigado a apelar para minha competência jurídica.


– Vi, não. Acho que quando eu cheguei aqui na parte de baixo eles já tinham ido embora.


Ato contínuo, os dois resolveram parar num pequeno bar lateral que estava miraculosamente aberto, para discutir melhor os acontecimentos.


Foi aí que foi oferecida a sopinha da janta, uma tradição até então oculta do boteco, e o rei se atirou a ela com avidez, já que a fome tinha apertado só de pensar que poderiam ter chamado o seu poder de mando para resolver a pendenga com os meganhas.


Não sei, não posso afirmar, mas dizem que esta foi a origem do vício arraigado. A partir desse dia o grande patrono passou a pedir com frequência para que as folias fossem mais cedo e que respeitassem a hora de sua sopinha.


Pelo menos, é o que me contaram.


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